Além da fome, o desperdício
O desperdício é uma das marcas registradas da geração atual. Essa audaciosa sentença pode ser justificada pela abundância de conteúdos que recai sobre nós a todo instante e impossibilita a completa assimilação.
Entretanto, se engana quem pensa que o campo das informações é o único a sofrer com os excessos do mundo “pós-moderno”, conforme o relatório britânico Global Food: Waste not, Want not (“Alimentos Globais: Não Desperdice, não sinta falta, em tradução livre), realizado em janeiro de 2013.
O relatório indicou que nos Estados Unidos e na Europa, metade da comida comprada é jogada fora. O problema não se restringe a essas regiões abastadas, pois cerca de dois bilhões de toneladas de comida vão para o lixo anualmente no mundo.
Em contrapartida, destaca o órgão das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), um em cada oito habitantes do globo vai para cama, diariamente, passando fome. Em consequência das mudanças climáticas, prevê-se que até 2050, mais de 24 milhões de pessoas estarão nessa situação. A fome causa mais mortes do que doenças como a Aids, a malária e a tuberculose combinadas.
Refletir sobre esses extremos provoca insatisfação – ou pelo menos deveria. De um lado, a fome, que devasta populações inteiras há décadas e, de outro, o desperdício, que caracteriza uma sociedade consumista.
O desperdício de alimentos não é derivado somente do consumo inconsciente, mas muitas vezes também por condições inadequadas de transporte e armazenamento da produção agrícola, além dos prazos de validade rigorosos e a preferência de consumidores por determinados produtos. É exemplar aquele tomate, do curta metragem Ilha das Flores, de Jorge Furtado, que é descartado por não estar tão tenro para a salada e, após não servir como comida para porcos, alimentou pessoas sem dinheiro do lixão gaúcho.
Em média, 50% dos resíduos gerados em casa pelos brasileiros é constituído por matéria orgânica. Em vez de aproveitada como adubo por meio da compostagem, destinação adequada para esses resíduos, a matéria orgânica gera chorume (líquido ácido e mal cheiroso), gases tóxicos e atrai vetores de doenças nos lixões.
Além do próprio alimento, outros recursos são perdidos com o desperdício, como água, energia, áreas agricultáveis e tempo de trabalho. Cerca de 550 bilhões de metros cúbicos de água são dissipados na produção de alimentos. A geração de gases poluentes pela decomposição e transporte da comida, além da própria geração de lixo.
Mas nem tudo está perdido. Iniciativas para minimizar o desperdício têm sido propostas, com base na mudança de padrões de consumo e comportamento da sociedade. Esse é o caso da campanha “Pensar, Comer e Preservar”, lançada em 2013 pela ONU, no ano mundial contra o desperdício de alimento.
No site da campanha, consumidores e comerciantes encontram dicas de como medir e reduzir os desperdícios com hábitos simples. A intenção é conscientizar diferentes setores da sociedade, como redes de hotéis, restaurantes, supermercados e residências domiciliares. Dentre as sugestões, a doação de alimentos, a compostagem caseira, as listas de compra conscientes e o congelamento de alimentos merecem destaque.
Afinal, conforme a previsão da ONU, em 2075, a população mundial chegará aos 9,5 bilhões de habitantes. Logo, acabar com o desperdício é a única saída!
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