Status no lixo
Gorjeta do carteiro? Confere. Gorjeta do zelador? Confere. Gorjeta do estacionamento? 8 pessoas. Putz! Confere.
Gorjeta do entregador do jornal? Confere. Gorjeta da diarista? Confere. Do engraxate? Confere. Do garçom? Confere.
Gorjeta do lixeiro? Nem vem qui num tem. O lixeiro é tão ou mais essencial no nosso dia a dia do que a maioria dos que nos servem, mas continua invisível e pouco apreciado. Chama atenção quando faz barulho ou bloqueia a rua com seu caminhão. Então mandamos recados para a mãe dele e fazemos coro de insulto na buzina.
Nova York viveu 200 anos sem eles. Quando os moradores começaram a morrer de doenças contagiosas e intoxicações, foi criado o Departamento de Saneamento Público. Sucesso. Até então, o lixo era entregue aos porcos que viviam soltos na cidade.
A limpeza e o fim do mau cheiro trouxeram alívio e alegria. Os lixeiros foram homenageados num desfile pela Quinta Avenida como fazem hoje com os astronautas, times campeões e outros heróis. Com suas vassouras nos ombros, foram aplaudidos do começo ao fim e não houve arremesso de papel picado das janelas.
Quando o atual prefeito de Nova York disse que era mais perigoso ser lixeiro do que policial, levou cacetadas nos editorais e dos sindicatos, mas quando saiu o relato anual das profissões mais perigosas do país, os lixeiros apareceram em quarto lugar.
A lista varia de ano para ano, mas a coleta de lixo está sempre entre as dez profissões mais perigosas. Lixeiros são vítimas de atropelamentos e produtos tóxicos. Policiais e bombeiros nunca entram na lista das 10 mais perigosas. Estão mais perto das profissões mais seguras do país.
Quantos filhos ou mulheres batem no peito com orgulho para anunciar que o pai ou o marido é lixeiro? A maioria esconde, nos conta a ex-lixeira e antropóloga do lixo, Robin Nagle, que acaba de lançar o livro Picking Up, com um raio-X do lixo e dos lixeiros de Nova York. Ela passou nos testes, viveu o cheiro, os perigos, subiu na carreira, dirigiu os caminhões, enfim, fez de tudo no mundo do lixo durante dois anos.
Com o salário, pagou parte dos estudos e hoje é professora de antropologia e estudos urbanos da New York University, mas nas várias entrevistas informa que limpar o lixo oferece gratificações pessoais mais imediatas do que o magistério. Também tem o posto de “antropóloga residente” no DSNY, Departamento de Saneamento de Nova York.
O salário inicial da universidade é mais alto, mas empatam depois de cinco anos, na faixa de US$ 5 mil por mês (US$ 10 mil). Em ano de furacão e nevascas, com as horas extras, o salário chega a US$ 90 mil. Supervisores estão na faixa de US$ 100 mil ou pouco acima. Só 10% dos americanos ganham mais do que US$ 111 mil por ano e a maioria não têm os benefícios dos lixeiros.
Esta semana, depois de 5 anos, a prefeitura abriu concurso para os “san men”, como preferem ser chamados. Há menos do que mil vagas e mais de 32 mil candidatos dispostos a pagar US$ 49 para fazer o teste.
A prefeitura achou que era injusto e sorteou 12 mil nomes para o concurso, entre eles um número recordista de mulheres. No momento, elas são apenas 196 numa força de 7.200 que coleta 10 mil toneladas de lixo residencial por dia e outras 2 mil toneladas de recicláveis.
Quem ficou fora do sorteio protestou. Entre os candidatos, há filhos de lixeiros que se orgulham da profissão e do padrão de vida que receberam dos pais. Ainda são poucos, mas cada vez mais numerosos.
Além das estatísticas, sempre importantes e quase sempre chatas, Robin conta boas histórias, inclusive sobre o vocabulário dos lixeiros. “Mongo”, como substantivo, significa o lixo que tanto a população quanto lixeiros levam das ruas para casa. A rigor, o lixo pertence à cidade, mas ninguém foi preso pelo crime. O verbo, to mongo, é a prática de “mongar”.
Para os lixeiros, a primavera é “maggot”, porque os vermes enchem as lixeiras; “air mail”, via aérea, é lixo arremessado do alto pelos preguiçosos que não querem descer e subir escadas. Tentam arremessar os sacos na carroceria do caminhão. Raramente acertam.
Um livro não vai transformar lixeiros em heróis, mas acelera um processo rumo ao respeito e status que merecem. Os “mongadores” não vão encontrar o livro de Robin nas latas de lixo.
Reportagem de Lucas Mendes Fonte: bbc.co.uk
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